quarta-feira, 7 de julho de 2010

cena de filme

A peculiaridade dos lugares e suas pessoas me
causam um encantamento que tento transformar
em palavras, mas estou certa que fracasso.
Amo as palavras, mas ainda não encontrei palavras
suficientes que exprimam tudo que sinto.
Cada novo lugar em que estou, passa, também, a estar
dentro de mim. E em instantes de tempo, cena a cena,
me mostram o cenário dos lugares.
E de cenário em cenário, observo as cenas. Vou seguindo
viagem em um ônibus, montando meu filme em uma tarde
ensolarada de outono, na rica e diversa caatinga.




Em Iaçu, pequeno município da chapada diamantina,
contemplada por chapadões em todo seu entorno,
o cenário é a velha fábrica de cerâmica, de frente para
uma rodoviária azul, do tamanho de um quintal.
A fumaça sobe de suas chaminés. As duas moças, de
tamanhos iguais, vestem chapéus idênticos, descem do
ônibus e agora caminham, ritmicamente, em direção à
fábrica, as chaminés, a fumaça e as montanhas. Cena de filme.
Um cachorro, franzino e cor de mel, corre em meio aos
cactos e ao vazio da habitação, imerso em solidão, como a garça,
que logo ali na frente, contempla o lago. Cenas bucólicas de filme.
No povoado, lixos, bandeirolas e pessoas, mostram a cena que
perdi, e as histórias do são joão, que aconteceram ali.
O ônibus, agora, balança como o quê, naquelas estradas de
asfalto tão desgastado, que antes fossem, apenas, as velhas
estradas de terra batida.
Meus garranchos persistem, para que não se percam
na memória, as tão belas cenas.
Dentro do ônibus, o violeiro, de camisa amarela, barba aparada
e óculos moderno na cabeça, junto com sua viola branca, fazem
a trilha da viagem e assim, dispensam a montagem posterior da
trilha do filme. Esta, é a cena do homem-amante, voltando para
a casa abandonada. Onde a moça foi parar? É o mistério do filme.
As músicas de amor, cantadas com vigor e emoção, demonstram,
no mínimo, muita dor.
As árvores de troncos tortos na sombra do dia que se vai, em meio
a estrada, que agora é só pó e terra, me revelam um novo cenário.
Nele, um homem na bicicleta leva sua espingarda nas costas,
revelando a cena da caçada. Cactos, cactos e cactos, gigantes por
natureza, pouco a pouco se perdem na luz, que é cada vez
mais é sombra.
O outro na bicicleta, leva sua lenha, anunciando o breve fogo.
O sol poente, cria a sensação de um sol que se põe, também, dentro de mim.
Faz-se necessário um momento de silêncio interno e de preparo para entrar
no tempo da noite, no tempo da não luz, onde não se filma mais nada.
E se entra no tempo, então, da reflexão, pois filme na tela é
imagem e imaginação. Mas aqui, é repleto de verdade, cheiro,
textura e gosto da vida.
E a interpretação, não são de atores que representam seus papéis.
A interpretação é minha, tentando ler cenas, imaginando os fatos.